sexta-feira, 25 de março de 2011

Ethos


-          Ele usava óculos.
-          Óculos escuros.
-          Isso. Óculos escuros.
-          E um boné.
-          Boné?
-          É, não se lembra?
-          De boné, não estou lembrado não.
-          Um boné verde, ou era preto?
-          Não, não era boné, era um chapéu. Chapéu de feltro.
-          Isso mesmo. Chapéu de feltro.
-          Pobre homem.
-          Pobre?
-          Jeito de falar, né? Do jeito que morreu.
-          Pois é. Ninguém merece um destino destes.
-          Ninguém.
-          E digo mais, ninguém merece um destino daqueles.
-          Ninguém. Pobre homem.
-          O destino foi trágico, concordo. Mas de pobre ele não tinha nada.
-          Aí é que você se engana.
-          Não me engano não, meu amigo. Ele podia ser tudo. Mentiroso, canalha, salafrário, ladrão dos bens públicos, mas pobre, era coisa que não era.
-          Sei que não era pobre, mas tinha uma coisa muito pobre.
-          O que?
-          A alma. Tinha a alma pobre.
-          Se eu tivesse a grana e a influência que ele tinha, não me incomodaria de ter a alma pobre. No país das almas não tem banco.
-          Mas tem ética.
-          O que? Ética. Do que você está falando?
-          De paz de espírito, de valores, de honestidade.
-          De que planeta você é, heim? Por que com certeza não é da terra. Você já viu alguém se preocupar com ética neste país.
-          Já. E muita gente.
-          Um bando de pobres, e otários.
-          Um bando de gente de bem!
-          Com isso eu concordo. E essa gente faz um bem enorme, deixando mais para os outros.
-          Mas isso vai mudar.
-          Muda nada. Desde o descobrimento que este país é o mesmo.
-          Mas o povo está acordando.
-          Tá nada. O povo dorme em berço esplendido, junto com as leis e a sua ética.
-          Por exemplo. Eu procuro agir com ética.
-          Você é um louco que devia estar no manicômio. Honestidade é doença meu caro.
-          Não, é dignidade.
-          Palavras, palavras, palavras. Nada mais, na hora do vamos ver é que a gente sabe com quem está lidando. Quanta gente que pousa de santo e por baixo dos panos é o maior vigarista.
-          Não tiro a sua razão. Você tem motivos e exemplos para pensar assim. Mas eu me guio por mim mesmo. Preocupo-me com coisas mais importantes que me dar bem.
-          E o que é mais importante que se dar bem, ter dinheiro, poder?
-          Viver em paz, ser feliz, conhecer as coisas singelas da vida. Construir valores, se preocupar com os outros, com o planeta, com a natureza...
-          Eu admiro você. Mas não conseguiria viver assim nunca.
-          Veja o seu amigo...
-          Não era meu amigo.
-          Mas pensava como você. Tinha os mesmos ideais.
-          É... de uma certa forma.
-          Então. O que foi que ele ganhou com tudo o que fez?
-          O que? O cara era poderoso. Vivia cercado de mulheres, de gente bonita, freqüentava festas e altas rodas.
-          Mas também vivia preocupado. Cercado de seguranças. Quase perdendo os cabelos por causa das CPI´s, das investigações da polícia federal...
-          Pegaram ele? Me responde? Pegaram ele?
-          Não, mas...
-          Então. O cara se deu bem. Se livrou de tudo.
-          E morreu drasticamente.
-          É...
-          E de que adiantou sua fortuna, seu prestígio? De nada. E pior, morreu infeliz.
-          Como é que você sabe?
-          Uma pessoa que faz o que ele fez, não pode ser feliz. E mais, ele já tinha sofrido um infarto...
-          Está na minha hora. Tenho que ir.
-          Vai meu amigo. Mas lembre-se. Riqueza sim, mas não a qualquer preço. Ética, é o produto que faz falta em nosso país.
-          Você não muda, heim? Até.
-          Até.

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