segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

O Rei

Foto: Arquivo Pessoal

Era um rei muito severo. Exigia fidelidade extrema de seus súditos. Lealdade de seus generais e eficiência de seus ministros. Conduzia o reino com mão de ferro. Não tolerava a injustiça. Todo crime era exemplarmente punido.
Mas o rei estava triste. Do alto de seu trono contemplava o seu reino e lágrimas lhe surgiam dos olhos.
Mas o que é isso? Um rei chorando? E ainda mais um rei tão disciplinado quanto aquele?
Em silêncio e só o rei chorava. Não deixou transparecer nada. Mas a cena, às vezes, se repetia. Ao fim da tarde o rei contemplava seu reino e chorava. E ficou cada vez mais constante. A rainha já havia percebido.
Ali em seu castelo luxuoso, o rei chorava. Sentia-se só. Sentia-se o último dos seres humanos. Imagine, ele, um rei. Não tinha pares. Não tinha com quem conversar. Com quem trocar idéias. E sentia que a humanidade estava morrendo. Que os corações já não tinham sentimentos. Seu reino era muito bem administrado, as coisas funcionavam. Mas, a que preço? As leis e normas eram cumpridas por obrigação e por medo de punições. Ninguém pensava em porquês. Então o rei chorava, pois era o último dos homens. O último ser a pensar no sentido das coisas. A ver o mundo com olhos vivos. Mas a ganância, a miséria, a luxúria e a vilania imperavam no mundo. E crescia a cada dia. Um dia não resistiria mais. E seu reino fatalmente sucumbiria.
E o rei continuava a chorar, pois era a única coisa a fazer.

Apenas uma Onda

Foto: Arquivo Pessoal


Ela surgiu como um leão.  Veio em minha direção, louca para abocanhar meu coração. Talvez minha alma. Olhos vermelhos, cabelos negros ondulados, esvoaçando ao vento. Anoitecia. O sol acabara de sumir no horizonte e o céu exibia uma coloração avermelhada e quente.
Ela veio em minha direção, soberana. Sua imagem - aos meus olhos - era gigantesca. E eu ali parado, encolhido, sem saber o que fazer. Só esperando o que iria acontecer. Ela olhou-me, me cheirou. E riu, riu e riu. E se foi. Seu andar sinuoso a levou para longe até eu não poder mais vê-la. Não me mexi. Escureceu e eu permaneci ali, quieto, sem movimentos, sem pensamentos, sem ação alguma. Como um nada.
O que aconteceu? Finalmente perguntei. Ela não ia me devorar? Agarrar-me, me arranhar, sei lá? Ao invés disso deu uma sonora gargalhada e partiu. Eu sei porque. Faço-me de bobo, mas eu sei muito bem porque.
Não vem ao caso explicar, seria desqualificar meu interlocutor. Mas o fato foi esse. Ou não foi? Talvez tenha sido apenas um delírio, um sonho. Algo que eu quis que acontecesse apenas. Às vezes eu faço isso. Fico imaginando vidas possíveis, onde sou um grande herói, que faço e aconteço, ou que nem faço nem aconteço. E às vezes, me perco nessas ilusões, misturo tudo, e nem sei mais o que é real ou imaginário. Mas quem sabe? O que eu estou vivendo agora é real? Quem garante que não é só imaginação minha ou de alguém imaginando por mim? No universo, meu amigo, tudo é possível. O que achamos que é o mundo real é uma mera ilusão de ótica, é apenas o que nossos sentidos podem captar, mais nada. E às vezes, o que imaginamos se torna real, e o real se torna imaginário. Ou não.
Eu não tinha ação, e ainda não tenho. Foi isso que a afugentou. Pra que serve um inativo? Um ser que só espera? Que deixa que a vida siga o curso que outros lhe dão? Ela não queria um coração sem ideais, uma alma sem poesia, por isso se foi. E ainda riu de suas pretensões.
Está escuro! Levanto-me, corpo dolorido, pés adormecidos. Tento caminhar, mas não vejo quase nada. Apenas uma lua tão fina, como se fosse um pequeno corte no céu. Está frio, sinto o vento castigando meus braços nus. Respiro lentamente e com dificuldade. A cabeça roda. Mas por que? Eu não bebi, não ingeri droga nenhuma. Eu não entendo. Realmente não entendo. Penso em gritar, mas lembro que alguém pode ouvir. O que pensarão de mim? Ou alguém pode não gostar e me xingar. Não sei. Só sei que permaneço calado. Penso em soltar um palavrão, mas e se Deus me castigar? Será que ele existe? Deus? Sei lá, só sei que fico calado. Dou um passo à frente, depois outro, e outro e, lentamente caminho em direção a areia da praia. Ouço o murmúrio repetitivo das ondas. Penso que cada ser humano é como uma pequena onda. Começa ali pequenina e vai subindo aos poucos, cresce, depois quebra e morre na areia da praia, e depois, mais nada. Vem outra onda e outra e outra, e não para nunca. E é isso aí.
Lá está ela caminhando na beira do mar, as ondas molham seus pés. Ela corre e sorri, abraça e beija alguém que esta com ela. Ele a pega no colo e gira-a no ar, corre para dentro d’água e a atira no mar. Ela levanta-se e o persegue jogando água e sorrindo.
Eu fico aqui, braços cruzados, parado, olhando a cena, até que ela vai embora. A praia está deserta. Sento-me na areia e choro, minhas lágrimas desaparecem na areia. Respiro com dificuldade. Demora, mas adormeço. Sonho coisas desconexas e inexatas, não me lembro direito. Um sonho sem cores e com imagens enevoadas, onde não se distingue nada. Acordo assustado com a água gelada do mar que subiu. Volto para onde estava antes. Sento-me e me encosto na palmeira. O corpo dói todo. Demoro ainda mais a apagar. Queria pensar um pouco mais, quem sabe amanhã...

Foto: Arquivo Pessoal

Ele não sabia de nada. Nada mesmo. Olhava-se no espelho pela manhã. A barba por fazer, os olhos pesados e a dúvida.
-          Por quê? Eu não entendo. O que eu fiz? Ou melhor, não fiz?
Caminhava entre os cômodos de seu pequeno apartamento no centro de Curitiba. Fazia frio e ele não sabia o que fazer. Passava horas frente à tv passando os canais sem assistir a nada.
-          Nãaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaoooooooooooo!
E as lágrimas vertiam de seus olhos vermelhos e fundos, um sentimento de vazio, um tédio absoluto. Olhava para as paredes brancas, sentia o vento que entrava gelado pela janela aberta. A sala toda desarrumada, com garrafas vazias pelos cantos e pontas de cigarros por todos os lados.
-          Por quê?
Era verdade. Sua vida já não tinha mais sentido. Construíra toda uma estrutura, tinha ajeitado tudo, renunciado a tudo, e agora nada mais tinha um porque. Sem ela, nada mais existia e sua vida estava vazia.
-          Ela não vai voltar.
Ele aproximou-se da janela. Olhou para baixo. Sua mente estava branca. Nenhum pensamento. Subiu lentamente no parapeito. Respirou profundamente o ar frio da madrugada. Chorou sua última lágrima, riu seu último riso.
-          Não nasci para ser só.
Viu a calçada aproximando-se vertiginosamente, depois não viu mais nada.

domingo, 27 de fevereiro de 2011

Existência

Foto: Arquivo Pessoal

Não sei por que respiro.
Sei lá, uma sensação estranha.
O ar entra em meus pulmões e me queima por dentro.
É a vida que entra, mas eu não entendo por quê.
Fico horas parado em frente à televisão olhando as cores que se formam e desaparecem tão rápido.
Caminho sorrateiro pela casa, a espera de nada.
Às vezes grito, outras choro, outras me arrebento por dentro.
Não sei o que quero.
Não sei o que faço, pior, não sei por que faço.
A vida é um marasmo sem fim,
Um sofrimento,
Uma tortura profunda, profunda, profunda...
Engano-me todos os dias pra continuar vivendo, como se a vida tivesse algum sentido.
Será que tem mesmo?
Rezo pedindo a Deus uma solução. Faça-me feliz ou acabe comigo de uma vez.
Não passo de um verme rastejante sobre a terra a procura de um esterco pra eu me fartar e depois procurar mais e mais e mais e mais esterco, esterco fedido.
Tranco-me na sala, olho as paredes derretendo e desaparecendo.
Contemplo minha imagem no espelho, mas não sou eu.
Por mais que eu tente, eu não consigo me reconhecer.
Sinto-me desintegrando, sumindo, desaparecendo, não sendo.
Por que existo? Por que será?
Nunca consegui responder a esta pergunta.
Tanto estudei, li tantos livros, escutei tantas palestras, fui a tantas missas, e nada, ninguém sabe de nada, ninguém tem resposta alguma.
As pessoas falam, falam e falam, mas não dizem nada. De suas bocas só saem besteiras, baboseiras. Teorias sem fundamentos. Delírios alucinados.
O mundo está louco. Todos saindo às ruas dizendo suas verdades e enfiando goela abaixo dos outros, dos imbecis, dos que não tem vontade própria. E os imbecis seguem. Milhares de imbecis seguindo o imbecil-mor.
Quanta esquizofrenia!
Quando delírio!
Quanta enganação!
Em vão espero o além do homem nietzscheano que nunca virá.
Atiraram-me às feras, à imbecilidade. E pra sobreviver tenho que fingir-me de imbecil também. Tenho que fazer baboseiras e tarefas sem o mínimo sentido pra poder me alimentar.

O papel amarelo ainda é amarelo e o céu continua cinza.
As borboletas pousam lá e cá, depois novamente voam.
Fico feliz por vê-las, senti-las, imaginá-las...
Em minha mente límpida, límpidos pensamentos...