sábado, 16 de abril de 2011

O Nada



Sei que tudo não passa de ilusão. Eu olho a minha frente e vejo as cores escorrendo. E por trás delas o vazio. Um longo e infinito vazio. Um nada angustiante. Um nada branco. Eu vejo tudo branco a minha volta. Estou perdido no meio do nada. As cores se foram, as sensações se acabaram, os sons desapareceram. Não sei mais o que é frente ou atrás, em cima e embaixo. E neste momento sinto-me muito só. Sinto-me muito bem. Sem perspectivas, sem esperanças, mas também sem culpas, sem cobranças, sem a necessidade de vencer ou provar alguma coisa pra alguém. Acho que é isso que angustia o ser humano - a necessidade de estar o tempo todo provando alguma coisa - provando que é homem, que é inteligente, que é um bom pescador ou jogador de sei lá o que. Que é um vencedor!!! Que a vida tem sentido. Por que é que minha vida tem que ter um sentido? Por que é que tenho vencer sempre? Por que é que tenho que tomar banho todos os dias? Ser sensível, bom, legal e politicamente correto? Acho que já estou me cansando disso. Não quero ser certinho o resto da vida. Nunca trair, nunca fazer nada eticamente condenável! Sei lá! Que merda! Porra!! É, de vez em quando um palavrão cai muito bem. Mas voltando ao vazio infinito. É uma figura de retórica muito bonita, trás uma imagem interessante. Sou um ladrão de sonhos. Vivo de roubar palavras e idéias que outros têm primeiro, mas não conseguem traduzi-las em palavras. Não sei quem sonhou isso. Mas é uma imagem que me persegue. Quando se escreve não se sabe de onde vêm as idéias, elas vão brotando naturalmente, mas pode ter certeza que as sementes foram plantadas. Às vezes, por um livro, uma conversa ouvida no ônibus, ou uma briga de rua, mas alguém as plantou e de vez em quando eu deixo que nasçam. Ah! Como reprimo minhas idéias! Como escrevo tão pouco. Como sou preguiçoso!!!! Bem, isso começou como uma crônica ou sei lá o que e passou a um diário. Vamos voltar. Melhor terminar por aqui. Já estou escrevendo besteiras demais, e o texto já perdeu o sentido faz tempo. Regras foram quebradas, e já estou passando para o conceitual, o abstrato, ou aquela literatura chata que tanto odeio.

sexta-feira, 25 de março de 2011

Ethos


-          Ele usava óculos.
-          Óculos escuros.
-          Isso. Óculos escuros.
-          E um boné.
-          Boné?
-          É, não se lembra?
-          De boné, não estou lembrado não.
-          Um boné verde, ou era preto?
-          Não, não era boné, era um chapéu. Chapéu de feltro.
-          Isso mesmo. Chapéu de feltro.
-          Pobre homem.
-          Pobre?
-          Jeito de falar, né? Do jeito que morreu.
-          Pois é. Ninguém merece um destino destes.
-          Ninguém.
-          E digo mais, ninguém merece um destino daqueles.
-          Ninguém. Pobre homem.
-          O destino foi trágico, concordo. Mas de pobre ele não tinha nada.
-          Aí é que você se engana.
-          Não me engano não, meu amigo. Ele podia ser tudo. Mentiroso, canalha, salafrário, ladrão dos bens públicos, mas pobre, era coisa que não era.
-          Sei que não era pobre, mas tinha uma coisa muito pobre.
-          O que?
-          A alma. Tinha a alma pobre.
-          Se eu tivesse a grana e a influência que ele tinha, não me incomodaria de ter a alma pobre. No país das almas não tem banco.
-          Mas tem ética.
-          O que? Ética. Do que você está falando?
-          De paz de espírito, de valores, de honestidade.
-          De que planeta você é, heim? Por que com certeza não é da terra. Você já viu alguém se preocupar com ética neste país.
-          Já. E muita gente.
-          Um bando de pobres, e otários.
-          Um bando de gente de bem!
-          Com isso eu concordo. E essa gente faz um bem enorme, deixando mais para os outros.
-          Mas isso vai mudar.
-          Muda nada. Desde o descobrimento que este país é o mesmo.
-          Mas o povo está acordando.
-          Tá nada. O povo dorme em berço esplendido, junto com as leis e a sua ética.
-          Por exemplo. Eu procuro agir com ética.
-          Você é um louco que devia estar no manicômio. Honestidade é doença meu caro.
-          Não, é dignidade.
-          Palavras, palavras, palavras. Nada mais, na hora do vamos ver é que a gente sabe com quem está lidando. Quanta gente que pousa de santo e por baixo dos panos é o maior vigarista.
-          Não tiro a sua razão. Você tem motivos e exemplos para pensar assim. Mas eu me guio por mim mesmo. Preocupo-me com coisas mais importantes que me dar bem.
-          E o que é mais importante que se dar bem, ter dinheiro, poder?
-          Viver em paz, ser feliz, conhecer as coisas singelas da vida. Construir valores, se preocupar com os outros, com o planeta, com a natureza...
-          Eu admiro você. Mas não conseguiria viver assim nunca.
-          Veja o seu amigo...
-          Não era meu amigo.
-          Mas pensava como você. Tinha os mesmos ideais.
-          É... de uma certa forma.
-          Então. O que foi que ele ganhou com tudo o que fez?
-          O que? O cara era poderoso. Vivia cercado de mulheres, de gente bonita, freqüentava festas e altas rodas.
-          Mas também vivia preocupado. Cercado de seguranças. Quase perdendo os cabelos por causa das CPI´s, das investigações da polícia federal...
-          Pegaram ele? Me responde? Pegaram ele?
-          Não, mas...
-          Então. O cara se deu bem. Se livrou de tudo.
-          E morreu drasticamente.
-          É...
-          E de que adiantou sua fortuna, seu prestígio? De nada. E pior, morreu infeliz.
-          Como é que você sabe?
-          Uma pessoa que faz o que ele fez, não pode ser feliz. E mais, ele já tinha sofrido um infarto...
-          Está na minha hora. Tenho que ir.
-          Vai meu amigo. Mas lembre-se. Riqueza sim, mas não a qualquer preço. Ética, é o produto que faz falta em nosso país.
-          Você não muda, heim? Até.
-          Até.

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

O Rei

Foto: Arquivo Pessoal

Era um rei muito severo. Exigia fidelidade extrema de seus súditos. Lealdade de seus generais e eficiência de seus ministros. Conduzia o reino com mão de ferro. Não tolerava a injustiça. Todo crime era exemplarmente punido.
Mas o rei estava triste. Do alto de seu trono contemplava o seu reino e lágrimas lhe surgiam dos olhos.
Mas o que é isso? Um rei chorando? E ainda mais um rei tão disciplinado quanto aquele?
Em silêncio e só o rei chorava. Não deixou transparecer nada. Mas a cena, às vezes, se repetia. Ao fim da tarde o rei contemplava seu reino e chorava. E ficou cada vez mais constante. A rainha já havia percebido.
Ali em seu castelo luxuoso, o rei chorava. Sentia-se só. Sentia-se o último dos seres humanos. Imagine, ele, um rei. Não tinha pares. Não tinha com quem conversar. Com quem trocar idéias. E sentia que a humanidade estava morrendo. Que os corações já não tinham sentimentos. Seu reino era muito bem administrado, as coisas funcionavam. Mas, a que preço? As leis e normas eram cumpridas por obrigação e por medo de punições. Ninguém pensava em porquês. Então o rei chorava, pois era o último dos homens. O último ser a pensar no sentido das coisas. A ver o mundo com olhos vivos. Mas a ganância, a miséria, a luxúria e a vilania imperavam no mundo. E crescia a cada dia. Um dia não resistiria mais. E seu reino fatalmente sucumbiria.
E o rei continuava a chorar, pois era a única coisa a fazer.

Apenas uma Onda

Foto: Arquivo Pessoal


Ela surgiu como um leão.  Veio em minha direção, louca para abocanhar meu coração. Talvez minha alma. Olhos vermelhos, cabelos negros ondulados, esvoaçando ao vento. Anoitecia. O sol acabara de sumir no horizonte e o céu exibia uma coloração avermelhada e quente.
Ela veio em minha direção, soberana. Sua imagem - aos meus olhos - era gigantesca. E eu ali parado, encolhido, sem saber o que fazer. Só esperando o que iria acontecer. Ela olhou-me, me cheirou. E riu, riu e riu. E se foi. Seu andar sinuoso a levou para longe até eu não poder mais vê-la. Não me mexi. Escureceu e eu permaneci ali, quieto, sem movimentos, sem pensamentos, sem ação alguma. Como um nada.
O que aconteceu? Finalmente perguntei. Ela não ia me devorar? Agarrar-me, me arranhar, sei lá? Ao invés disso deu uma sonora gargalhada e partiu. Eu sei porque. Faço-me de bobo, mas eu sei muito bem porque.
Não vem ao caso explicar, seria desqualificar meu interlocutor. Mas o fato foi esse. Ou não foi? Talvez tenha sido apenas um delírio, um sonho. Algo que eu quis que acontecesse apenas. Às vezes eu faço isso. Fico imaginando vidas possíveis, onde sou um grande herói, que faço e aconteço, ou que nem faço nem aconteço. E às vezes, me perco nessas ilusões, misturo tudo, e nem sei mais o que é real ou imaginário. Mas quem sabe? O que eu estou vivendo agora é real? Quem garante que não é só imaginação minha ou de alguém imaginando por mim? No universo, meu amigo, tudo é possível. O que achamos que é o mundo real é uma mera ilusão de ótica, é apenas o que nossos sentidos podem captar, mais nada. E às vezes, o que imaginamos se torna real, e o real se torna imaginário. Ou não.
Eu não tinha ação, e ainda não tenho. Foi isso que a afugentou. Pra que serve um inativo? Um ser que só espera? Que deixa que a vida siga o curso que outros lhe dão? Ela não queria um coração sem ideais, uma alma sem poesia, por isso se foi. E ainda riu de suas pretensões.
Está escuro! Levanto-me, corpo dolorido, pés adormecidos. Tento caminhar, mas não vejo quase nada. Apenas uma lua tão fina, como se fosse um pequeno corte no céu. Está frio, sinto o vento castigando meus braços nus. Respiro lentamente e com dificuldade. A cabeça roda. Mas por que? Eu não bebi, não ingeri droga nenhuma. Eu não entendo. Realmente não entendo. Penso em gritar, mas lembro que alguém pode ouvir. O que pensarão de mim? Ou alguém pode não gostar e me xingar. Não sei. Só sei que permaneço calado. Penso em soltar um palavrão, mas e se Deus me castigar? Será que ele existe? Deus? Sei lá, só sei que fico calado. Dou um passo à frente, depois outro, e outro e, lentamente caminho em direção a areia da praia. Ouço o murmúrio repetitivo das ondas. Penso que cada ser humano é como uma pequena onda. Começa ali pequenina e vai subindo aos poucos, cresce, depois quebra e morre na areia da praia, e depois, mais nada. Vem outra onda e outra e outra, e não para nunca. E é isso aí.
Lá está ela caminhando na beira do mar, as ondas molham seus pés. Ela corre e sorri, abraça e beija alguém que esta com ela. Ele a pega no colo e gira-a no ar, corre para dentro d’água e a atira no mar. Ela levanta-se e o persegue jogando água e sorrindo.
Eu fico aqui, braços cruzados, parado, olhando a cena, até que ela vai embora. A praia está deserta. Sento-me na areia e choro, minhas lágrimas desaparecem na areia. Respiro com dificuldade. Demora, mas adormeço. Sonho coisas desconexas e inexatas, não me lembro direito. Um sonho sem cores e com imagens enevoadas, onde não se distingue nada. Acordo assustado com a água gelada do mar que subiu. Volto para onde estava antes. Sento-me e me encosto na palmeira. O corpo dói todo. Demoro ainda mais a apagar. Queria pensar um pouco mais, quem sabe amanhã...

Foto: Arquivo Pessoal

Ele não sabia de nada. Nada mesmo. Olhava-se no espelho pela manhã. A barba por fazer, os olhos pesados e a dúvida.
-          Por quê? Eu não entendo. O que eu fiz? Ou melhor, não fiz?
Caminhava entre os cômodos de seu pequeno apartamento no centro de Curitiba. Fazia frio e ele não sabia o que fazer. Passava horas frente à tv passando os canais sem assistir a nada.
-          Nãaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaoooooooooooo!
E as lágrimas vertiam de seus olhos vermelhos e fundos, um sentimento de vazio, um tédio absoluto. Olhava para as paredes brancas, sentia o vento que entrava gelado pela janela aberta. A sala toda desarrumada, com garrafas vazias pelos cantos e pontas de cigarros por todos os lados.
-          Por quê?
Era verdade. Sua vida já não tinha mais sentido. Construíra toda uma estrutura, tinha ajeitado tudo, renunciado a tudo, e agora nada mais tinha um porque. Sem ela, nada mais existia e sua vida estava vazia.
-          Ela não vai voltar.
Ele aproximou-se da janela. Olhou para baixo. Sua mente estava branca. Nenhum pensamento. Subiu lentamente no parapeito. Respirou profundamente o ar frio da madrugada. Chorou sua última lágrima, riu seu último riso.
-          Não nasci para ser só.
Viu a calçada aproximando-se vertiginosamente, depois não viu mais nada.

domingo, 27 de fevereiro de 2011

Existência

Foto: Arquivo Pessoal

Não sei por que respiro.
Sei lá, uma sensação estranha.
O ar entra em meus pulmões e me queima por dentro.
É a vida que entra, mas eu não entendo por quê.
Fico horas parado em frente à televisão olhando as cores que se formam e desaparecem tão rápido.
Caminho sorrateiro pela casa, a espera de nada.
Às vezes grito, outras choro, outras me arrebento por dentro.
Não sei o que quero.
Não sei o que faço, pior, não sei por que faço.
A vida é um marasmo sem fim,
Um sofrimento,
Uma tortura profunda, profunda, profunda...
Engano-me todos os dias pra continuar vivendo, como se a vida tivesse algum sentido.
Será que tem mesmo?
Rezo pedindo a Deus uma solução. Faça-me feliz ou acabe comigo de uma vez.
Não passo de um verme rastejante sobre a terra a procura de um esterco pra eu me fartar e depois procurar mais e mais e mais e mais esterco, esterco fedido.
Tranco-me na sala, olho as paredes derretendo e desaparecendo.
Contemplo minha imagem no espelho, mas não sou eu.
Por mais que eu tente, eu não consigo me reconhecer.
Sinto-me desintegrando, sumindo, desaparecendo, não sendo.
Por que existo? Por que será?
Nunca consegui responder a esta pergunta.
Tanto estudei, li tantos livros, escutei tantas palestras, fui a tantas missas, e nada, ninguém sabe de nada, ninguém tem resposta alguma.
As pessoas falam, falam e falam, mas não dizem nada. De suas bocas só saem besteiras, baboseiras. Teorias sem fundamentos. Delírios alucinados.
O mundo está louco. Todos saindo às ruas dizendo suas verdades e enfiando goela abaixo dos outros, dos imbecis, dos que não tem vontade própria. E os imbecis seguem. Milhares de imbecis seguindo o imbecil-mor.
Quanta esquizofrenia!
Quando delírio!
Quanta enganação!
Em vão espero o além do homem nietzscheano que nunca virá.
Atiraram-me às feras, à imbecilidade. E pra sobreviver tenho que fingir-me de imbecil também. Tenho que fazer baboseiras e tarefas sem o mínimo sentido pra poder me alimentar.

O papel amarelo ainda é amarelo e o céu continua cinza.
As borboletas pousam lá e cá, depois novamente voam.
Fico feliz por vê-las, senti-las, imaginá-las...
Em minha mente límpida, límpidos pensamentos...